Rodrigo Fernandes
A partir de janeiro deste ano muito se falou sobre o que a imprensa nacional acabou denominando de “imposto turismo” ou “imposto sobre turismo”, que, unido ao alto valor do Dólar e do Euro (na verdade, a desvalorização do Real), dificultaria – ainda mais – o acesso dos brasileiros às viagens internacionais.
Isto ocorreu em virtude da publicação da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n° 1.611/2016 que dispõe sobre a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) em relação aos rendimentos pagos, creditados, empregados, entregues ou remetidos para o exterior, cuja eficácia se daria a partir de 01 de janeiro de 2016.
Assevera o dispositivo que esses valores, destinados ao pagamento de prestação de serviços decorrentes de viagens de turismo, negócios, serviço, treinamento ou missões oficiais sujeitam-se à incidência do IRRF à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento).
Em resumo, a incidência tributária, aplica-se às despesas com serviços turísticos, tais como despesas com hotéis, transporte, hospedagem, cruzeiros marítimos, pacotes de viagens, tickets e ingressos para parques, shows e espetáculos.
Ressalta-se que apesar da expressa previsão[1] acerca da hipótese de incidência do imposto sobre os valores pagos por brasileiros aos serviços de navegação aérea e marítima de companhias domiciliadas no exterior, o mesmo não seria exigido nos casos em que referidas companhias estejam domiciliadas em países que não tributam – seja em decorrência da legislação interna ou de acordos internacionais – os rendimentos auferidos por empresas brasileiras que exercem o mesmo tipo de atividade[2].
Portanto, diferentemente do que muitos entenderam com a divulgação da notícia, tecnicamente, não se trata de um novo tributo incidente sobre o turismo, cujo sujeito passivo seria a pessoa física domiciliada no Brasil que adquirisse esses serviços através das agências de turismo nacionais, mas sim da retenção do imposto sobre a renda recebida por empresas do ramo domiciliadas no exterior.
Ora, é evidente que – em virtude do princípio da territorialidade – não se pode tributar, em regra, a renda, serviços ou patrimônio de pessoas jurídicas residentes e domiciliadas no exterior, todavia, como a aquisição dos serviços é realizada através de intermediários domiciliados no Brasil (agências e operadoras de turismo), é completamente viável que se estabeleça a possibilidade de retenção do tributo pela fonte pagadora, alcançando – assim – àquelas pessoas.
Desta lógica, extrai-se que em caso de aquisição desses serviços de turismo diretamente no exterior ou através de sites de empresas internacionais, não haverá espaço para a exação fiscal, haja vista que, nesta hipótese, não há que se falar no fenômeno da retenção do imposto pela fonte pagadora, pois inexistente qualquer intermediário localizado no Brasil.
Diante disto, apesar de não ser o consumidor adquirente desses serviços o contribuinte (de direito) do referido imposto, é esse quem, na prática, irá suportar as conseqüências com o respectivo aumento dos valores, sendo denominado, por isso, de contribuinte de fato.
Isso ocorre com os chamados impostos indiretos, classificação antiga, já mencionada por Stuart Mill na obra Princípios de Economia Política (1848)[3], nos seguintes termos:
“Um imposto direto é aquele cobrado exatamente das pessoas que se tenciona ou se deseja que o paguem. Impostos indiretos são aqueles que são cobrados de uma pessoa, na expectativa ou com a intenção de que esta se indenize à custa de outra, tal como o imposto de consumo ou as taxas alfandegárias. O produtor ou o importador de uma mercadoria é intimado a pagar um imposto sobre esta, não com a intenção de cobrar dele uma contribuição especial, mas com a intenção de taxar, por seu intermédio, os consumidores da mercadoria, dos quais, como se supõe, ele recuperará o montante, aumentando o preço da mesma.” (grifo nosso)
Inegável, portanto, o impacto da medida no setor nacional de turismo, pois, com o acesso à informação e facilidades propiciadas pela internet, grande parte dos consumidores, inegavelmente, não mais iriam utilizar os intermediários nacionais, passando a contratar esses serviços diretamente no exterior ou por através de sites internacionais, pois, neste caso, se o pagamento fosse realizado através de cartões de crédito, por exemplo, a operação estaria sujeita a apenas 6,38% a título de IOF – Imposto sobre Operações Financeiras.
Em razão disto, após grande pressão por parte da ABAV (Associação brasileira dos agentes de viagem) sobre o Ministério de Turismo, o Governo Federal editou a Medida Provisória n° 713/2016, publicada em 01 de março de 2016, que reduz a alíquota do imposto em questão – até 31 de dezembro de 2019 – de 25% para 6%, de modo a equipar com a alíquota estabelecida ao IOF, minimizando, assim, os grandes impactos no setor.
Vale salientar, para arrematar, três observações importantes sobre a referida exação fiscal.
A primeira é de que não se trata de um novo imposto instituído pela IN n° 1.611/2016, mas sim da não prorrogação da isenção concedida pelo artigo 60 da lei 12.249/2010[4], nem poderia ser, em função do princípio da legalidade tributária previsto no artigo 150, I da CF/88 e artigos 3° e 97, I do CTN.
E, segundo, percebe-se claramente o caráter extrafiscal[5] da norma, quando esta estabelece que não se sujeitam à retenção tributária as remessas de valores ao exterior destinadas para fins educacionais, científicos e culturais, bem como àquelas dedicadas a custear as despesas com tratamento de saúde.
Por fim, apesar da redução da alíquota operada pela medida provisória, a verdade é que, de qualquer modo, ficou mais caro viajar ao exterior, pois, somado tal fato à desvalorização da moeda, o brasileiro tem – hoje – mais motivos para explorar as belezas do Brasil.
Notas e Referências:
[1] Art. 2°, § 2º Estão sujeitos ao IRRF, à alíquota de 15% (quinze por cento), os rendimentos recebidos por companhias de navegação aérea e marítima, domiciliadas no exterior, de pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no Brasil.
[2] Art. 2° § 3º O imposto de que trata o § 2º não será exigido das companhias aéreas e marítimas domiciliadas em países que não tributam, em decorrência da legislação interna ou de acordos internacionais, os rendimentos auferidos por empresas brasileiras que exercem o mesmo tipo de atividade.
[3] MILL, John Stuart. Princípios de Economia Política. Com Algumas de suas Aplicações à Filosofia Social. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996, v. 2.
[4] Art. 60. Ficam isentos do Imposto de Renda na fonte, de 1o de janeiro de 2011 até 31 de dezembro de 2015, os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, destinados à cobertura de gastos pessoais, no exterior, de pessoas físicas residentes no País, em viagens de turismo, negócios, serviço, treinamento ou missões oficiais.
[5] Segundo Geraldo Ataliba in IPTU: progressividade. Revista de Direito Público, v. 23, n. 93, 1999: “Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados. […]“
Texto originalmente publicado no site: http://emporiododireito.com.br/ficou-mais-caro-viajar-breves-reflexoes-sobre-o-chamado-imposto-turismo-e-as-repercussoes-da-medida-provisoria-n-7132016-por-rodrigo-fernandes/
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