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A operadora de plano de saúde é obrigada a promover a cobertura do procedimento de fertilização in vitro?

31 de Março de 2020

No caso julgado, a paciente ajuizou, em face da operadora do plano de saúde, Ação Ordinária de Obrigação de Fazer, alegando que, em razão de problemas de saúde (diagnóstico de endometriose), possuía dificuldades de alcançar a gravidez, sendo recomendado o tratamento mediante a realização da técnica por fertilização in vitro.

 

Distribuídos os autos, o Juízo da 12ª Vara Cível da Comarca de São Paulo julgou improcedente a demanda, sob o fundamento de ser possível, em contrato de plano de saúde, estabelecer restrições no que se refere aos riscos ou procedimentos cobertos, desde que tais restrições não atinjam aspectos fundamentais e extremamente necessários para a busca do sucesso de um tratamento, com o objetivo de recuperar o paciente.

 

O Magistrado entendeu que o caso clínico da Requerente não implicava em risco à sua vida ou dignidade humana, inexistindo ilegalidade ou abusividade na cláusula contratual de recusa de cobertura de tratamento para engravidar.

 

Ainda, ressaltou que a situação da Requerente não se enquadrava na hipótese prevista na lei de planos de saúde, que garante cobertura a tratamentos e procedimentos para planejamento familiar, pois, para o julgador, o intuito da lei é garantir cobertura sobre procedimentos contraceptivos, e não de fertilização.

 

Por ocasião do julgamento do Recurso de Apelação interposto pela paciente, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão do Magistrado de 1ª instância, por entender que, em se tratando de “Planejamento Familiar”, o procedimento possui cobertura obrigatória nos termos do art. 35-C, III, da Lei nº 9.656/98 e do art. 2º da Lei nº 9.263/96.

 

Irresignada, a operadora do plano de saúde interpôs Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça, apontando violação aos artigos 10, inciso III, e 35-C, inciso III, da Lei nº 9.656/98.

 

Ao apreciar a insurgência, em 20/02/2020, por meio da sua Quarta Turma, o STJ destacou a distinção entre inseminação artificial e fertilização in vitro, na qualidade de técnicas médicas de reprodução humana assistida, da seguinte forma:

 

Segundo pesquisas realizadas, inseminação artificial significa inserir o sêmen no corpo da mulher por meio de uma transferência feita artificialmente, mediante uma seringa, por via transabdominal, ou mediante um cateter, por via transvaginal.

 

Na fertilização in vitro, conhecida popularmente como “bebê de proveta", o primeiro passo é o uso de drogas que estimulem a produção de óvulos. Após a fertilização, o óvulo é mantido em uma estufa, onde começa a correr a divisão celular. Posteriormente, o embrião daí resultante é colocado no útero da mulher.

 

Após estabelecer a distinção, a Corte Superior transcreveu os artigos 10, III, e 35-C, da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), que possuem as seguintes redações:

 

Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária à internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

[...]

III – inseminação artificial;

 

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

[...]

III - de planejamento familiar.    

Parágrafo único.  A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35.

 

Considerando a amplitude da expressão “Planejamento Familiar” e a própria determinação contida no parágrafo único do art. 35-C da Lei nº 9.656/98, a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar editou a Resolução Normativa nº 192/2009, a qual estabeleceu como de cobertura obrigatória os seguintes procedimentos médicos relacionados ao planejamento familiar: i) consulta de aconselhamento para planejamento familiar; ii) atividade educacional para planejamento familiar; iii) implante de dispositivo intra-uterino (DIU).

 

Nesse pensar, os Ministros ressaltaram a previsão contida no art. 1º, § 2º, da referida Resolução, no sentido de que a inseminação artificial e o fornecimento de medicamentos de uso domiciliar não são de cobertura obrigatória e não estão incluídos na abrangência da Resolução Normativa nº 192/2009.

 

Na mesma linha de raciocínio, aduziram que a Resolução Normativa nº 387/2015 da ANS, em seu art. 20, § 1º, incisos III e VI, previa que:

 

Art. 20. A cobertura assistencial de que trata o plano-referência compreende todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos, obstétricos e os atendimentos de urgência e emergência, na forma estabelecida no artigo 10 da Lei nº 9.656, de 1998.

§ 1º São permitidas as seguintes exclusões assistenciais:

[...]

 III - inseminação artificial, entendida como técnica de reprodução assistida que inclui a manipulação de oócitos e esperma para alcançar a fertilização, por meio de injeções de esperma intracitoplasmáticas, transferência intrafalopiana de gameta, doação de oócitos, indução da ovulação, concepção póstuma, recuperação espermática ou transferência intratubária do zigoto, entre outras técnicas.

 

Sob tais fundamentos, concluíram que a exclusão de cobertura obrigatória da técnica de inseminação artificial, consignada em ambas as resoluções normativas da ANS, possuem, como fundamento, a própria lei que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde, e que “permitir interpretação absolutamente abrangente - tal como consignado pelo eg. TJ/SP - acerca do alcance do termo "planejamento familiar", de modo a determinar cobertura obrigatória da fertilização in vitro, acarretaria, inegavelmente, direta e indesejável repercussão no equilíbrio econômico-financeiro do plano, a prejudicar, sem dúvida, os segurados e a própria higidez do sistema de suplementação privada de assistência à saúde”.

 

Por fim, aludiram a impossibilidade de as operadoras de plano de saúde serem obrigadas ao custeio de procedimentos que são, segundo a lei de regência e a própria regulamentação da ANS, de natureza facultativa, salvo se estiverem previstos contratualmente, circunstância inexistente na hipótese em análise.

 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): Recurso Especial nº 1.823.077 – SP.



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