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É possível a concessão de moratória tributária durante a pandemia do COVID-19, sem que haja previsão em lei específica?

27 de Março de 2020

A empresa Services Assessoria e Cobranças – Eireli ajuizou, perante a Justiça Federal do DF, ação em face da União, com o intuito de obter comando judicial que lhe autorizasse a retardar, por três meses, o pagamento dos tributos federais incidentes sobre sua atividade (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), como forma de garantir a manutenção da sua própria existência e dos postos de trabalho dos seus mais de 5.000 (cinco mil) colaboradores, durante o pico local da pandemia mundial provocada pelo COVID-19.

 

A Requerente argumentou o receio de que o caótico quadro financeiro gerado pelo processo de quarentena inviabilize a manutenção da sua atividade empresarial e dos milhares de empregos que gera, e a necessidade de se evitar a concretização da inadimplência e a irradiação dos efeitos jurídicos dela decorrentes - penalidades financeiras, negativação em cadastros, proibição de contratar com o poder público etc.

 

O Magistrado Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal do Distrito Federal, reconheceu estar-se diante de um pedido de “moratória tributária”, que é a prorrogação do prazo de vencimento do tributo prevista no art. 151, I, do Código Tributário Nacional, e mencionou que, se a narrativa fática ficasse adstrita apenas à ótica da seara tributária pura, a pretensão mereceria ser rejeitada de plano, diante do que prevê o CTN:

 

Art. 152. A moratória somente pode ser concedida:

I - em caráter geral:

 

a)     pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo a que se refira;

 

b)     pela União, quanto a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, quando simultaneamente concedida quanto aos tributos de competência federal e às obrigações de direito privado;

 

II - em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa, desde que autorizada por lei nas condições do inciso anterior.

 

Parágrafo único. A lei concessiva de moratória pode circunscrever expressamente a sua aplicabilidade à determinada região do território da pessoa jurídica de direito público que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos.

 

Art. 153. A lei que conceda moratória em caráter geral ou autorize sua concessão em caráter individual especificará, sem prejuízo de outros requisitos:

 

Todavia, para o julgador, o cerne da controvérsia transita por toda a seara do Direito Público e sofre forte carga de influência da realidade momentânea das ruas, especialmente porque, como causa de pedir, a ação proposta oferece, na visão do Magistrado, três fatos muito peculiares e irrefutáveis, que são:

 

a) A abrupta e inesperada eclosão do estado de calamidade sanitária que vive o Brasil e o mundo por conta do COVID-19;

 

b) A origem das limitações financeiras que assolam a parte Requerente ser as medidas restritivas impostas coletivamente pela própria Administração (que não eram passíveis de previsão até poucos dias, dentro de um juízo de normalidade empresarial);

 

c) Os notórios efeitos práticos que a quarentena horizontal já tem gerado sobre a atividade econômica do país, das empresas e das pessoas.

 

Tomando por base as noções gerais do Direito Público, e tendo em vista que “ninguém, no juízo de sã consciência, teria coragem para negar que o mundo está atravessando o seu pior momento desde o final da Segunda Guerra”, o julgador salientou que a origem da limitação financeira narrada pela parte Requerente está calcada em atos e ações deflagrados pela própria Administração Pública (quarenta horizontal).

 

Com isso, reconheceu, por analogia, a incidência da “Teoria do Fato do Príncipe” que, para a renomada administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “abrange as medidas de ordem geral, não relacionadas diretamente com o contrato, mas que nele repercutem, provocando desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado”.

 

Assim, entendeu ser possível, pela via reflexa, alterar, quanto ao momento do pagamento das exações, e enquanto persistirem os efeitos da quarentena horizontal imposta ou até que surja a esperada regulamentação legislativa sobre o tema, a relação jurídica de natureza tributária mantida entre as partes, como forma de preservar a própria existência da Requerente e os vitais postos de trabalho por ela gerados.

 

O Magistrado também fez constar que “só quem viveu a agonia de não ter a certeza de como fará amanhã para garantir o pão nosso de cada dia (seu, e dos seus), só quem viveu a agonia do tamanho do desafio que é para manter abertas as portas de qualquer negócio no Brasil, sabe que o quadro que se avizinha é desesperador, bem como que ele assumirá contornos de catástrofe humana, caso se confirmem as projeções de demissão em massa feitas pelos especialistas”.

 

Registrou, ainda, que, no início desta semana, medidas idênticas foram deferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos das Ações Cíveis Originárias nºs 3.363 e 3.365, movidas, respectivamente, pelos Estados de São Paulo e da Bahia.

 

Especificamente na ACO nº 3.363, a decisão liminar suspendeu, por 180 dias, o pagamento de parcelas mensais de R$ 1,2 bilhões devidas pelo Estado de São Paulo para a União, como forma de garantir que aquela unidade federativa direcione seus esforços no combate aos efeitos sociais do COVID-19.

 

Por fim, frisou que não está reconhecendo o direito de a parte Requerente se furtar ao pagamento das suas obrigações tributárias (que continuarão incólumes, segundo a legislação de regência), mas a possibilidade (precária e temporária) dela priorizar o uso da sua (atualmente) reduzida capacidade financeira (decorrente de ato da própria Administração - FATO DO PRÍNCIPE) na manutenção dos postos de trabalho de seus colaboradores (pagamento de salários etc.) e do custeio mínimo da sua atividade existencial em detrimento do imediato recolhimento das exações tributárias descritas na exordial, sem que isso lhe acarrete as punições reservadas aos contribuintes que, em situação de normalidade, deixam de cumprir a legislação de regência.

 

Diante desse quadro, autorizou, excepcionalmente e em sede de urgência, pelo prazo de três meses, contados de cada vencimento, o diferimento do recolhimento dos tributos federais indicados na exordial (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), como forma de a empresa garantir a manutenção integral dos mais de cinco mil postos de trabalho que possui (o que deverá ser comprovado mensalmente no processo, sob pena de imediata revogação da ordem judicial, sem prejuízo de outras sanções cabíveis).

 

No mais, considerando que a carga tributária suportada pela Requerente não está restrita aos tributos federais, e que não se pode atribuir apenas à União o ônus de arcar com os efeitos práticos de ações que, na maioria das vezes, são os Estados/DF e Municípios que estão colocando em prática, determinou que a Requerente emende sua petição inicial para incluir, no polo passivo da demanda, todos os entes com os quais mantém relação tributária regular.

 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): 1016660-71.2020.4.01.3400 – 21ª Vara Federal Cível da SJDF.



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